Geração Z está a tornar-se a mais extremista e radical de sempre na Rússia

Geração Z está a tornar-se a mais extremista e radical de sempre na Rússia
mw-694 Geração Z está a tornar-se a mais extremista e radical de sempre na Rússia
Geração Z está a tornar-se a mais extremista e radical de sempre na Rússia

Na Rússia de hoje, “há uma nova geração de jovens militarizados, desligados das influências externas, a serem doutrinados em versões cada vez mais extremas da linguagem da utopia militar e bélica do estado”.

Durante anos, o Kremlin incentivou a apatia política. Os millennials foram incentivados a confiar em Putin e não dar atenção ao que se passava no Governo, a não se preocuparem com a economia ou com a política externa ou na Chechénia ou com os jornalistas mortos nas ruas e os grupos neonazis de adeptos de futebol violentos.

Tudo isto mudou no início da década de 2010.

Na Rússia de hoje, “há uma nova geração de jovens militarizados, desligados das influências externas, a serem doutrinados em versões cada vez mais extremas da linguagem da utopia militar e bélica do estado”, uma geração galvanizada por uma narrativa nacionalista apocalíptica, racista, misógina, que suspeita de tudo o que não é russo e acredita estar sob ataque e em risco de degeneração.

Uma geração que acredita na guerra como o desígnio da nação para chegar à paz, enquanto mantém uma forte presença online, onde segue as mesmas modas que os jovens do Ocidente de que tanto desconfia.

“Esteticamente, tudo parece muito semelhante aos jovens do Ocidente, mas há uma perigosa mensagem nacionalista que está latente e pronta a emergir”

Este é um problema que temos em todo o mundo. Parece que vivemos num mundo partido, onde muitas das realidades políticas e históricas que compartilhamos parecem estar a desaparecer e mudar. Há muita discordância, muita raiva. Isto também é verdade na Rússia.

Um enorme problema que a Rússia enfrenta são as redes sociais e a forma como nos relacionamos com a realidade hoje.

O governo russo aproveita-se do facto de as redes sociais nos dividirem em pequenos grupos, de tenderem a virar as pessoas umas contra as outras, de semearem a discórdia e o caos.

Ao mesmo tempo, é capaz de produzir campanhas, materiais e grupos no VK (Facebook russo) e no TikTok que parecem oferecer à comunidade jovem um sentido de valores partilhados.

E sabemos pela investigação que as pessoas estão sempre muito mais interessadas em pertencer a uma comunidade do que em compreender a realidade.

Por isso, quando se trata de fazer com que as pessoas acreditem em coisas realmente terríveis, é muito mais fácil fazê-lo online do que teria sido há 30 anos, mesmo quando os meios de comunicação de massa estavam no seu auge.

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O apoio à invasão da Ucrânia é tão amplo como o Estado Russo nos quer fazer acreditar?
Provavelmente não é tão amplo quanto as sondagens oficiais mostram, embora haja estudos suficientes tanto internos, como de empresas que trabalham fora da Rússia, que mostram consistentemente que o apoio à guerra é bastante amplo.

Mas aquilo sobre o qual me debruço no livro é a forma como as pessoas falam sobre o mundo. O que encontramos consistentemente é um apoio a uma visão de mundo em que a Rússia está constantemente envolvida numa guerra maior. Uma guerra pela sua sobrevivência, contra o Ocidente.

Uma guerra em que a identidade dos russos é constantemente atacada e corroída.

E essa é uma mensagem muito mais bem-sucedida.

O apoio a isto tem permanecido consistentemente elevado em todos os grupos demográficos durante alguns anos e, de facto, parece estar a crescer hoje.

Esta geração não se radicalizou apenas quando a Rússia invadiu a Ucrânia, mas como, pelo contrário, esse tem sido um processo contínuo que dura há mais de uma década.
O governo sob Putin sempre tentou seguir uma política mais nacionalista, que mesmo nos primeiros anos do regime poderia ser rotulada de neofascista ou movida pela lógica do fascismo, de que a guerra é fundamental para a identidade como nação.

Mas, na verdade, o ponto de viragem ocorreu no início da década de 2010, quando houve uma série de desafios crise económica, Primavera Árabe com revoltas subsequentes em ex-nações soviéticas.

Os movimentos de protesto em massa em Moscovo, quando Navalny se tornou uma figura política proeminente.

Os jovens pareciam estar a mobilizar-se contra um governo que viam como um governo de pessoas idosas que não fazia nada pelos jovens.

Tudo isto persuadiu Putin de que precisava de recorrer a uma política nacionalista muito mais extrema e de começar a envolver-se séria e consistentemente com a juventude.

Na década de 2010, começaram a repensar realmente a escola, a financiar em massa a cultura jovem, a aproximar atletas e influenciadores que apoiariam a política do Estado, a criar novos grupos de jovens, dos quais o mais notável é o Exército da Juventude, que atrairia as crianças para uma esfera e forma de identidade altamente nacionalista e altamente tóxica.

O domínio do Estado sobre o ambiente mediático aconteceu muito cedo no governo Putin e cada vez mais há uma tentativa de controlar e impedir que mensagens indesejadas passem.

Por um lado, o Estado tem também vindo a desenvolver esta abordagem multiplataforma para que, onde quer que se olhe, seja difícil escapar às mensagens do Estado.

Nas redes sociais haverá uma dúzia de grupos que parecem diferentes superficialmente, mas todos compartilham a mesma mensagem sobre guerra, violência e nacionalidade russa. Liga-se a televisão e, mesmo que não veja notícias, o programa de entretenimento tem os mesmos valores repetidos. A mesma coisa na escola. Isto fornece aos jovens a linguagem de que necessitam para se apresentarem com segurança como pertencentes a uma comunidade.

Os russos sentem que têm uma escolha infinita, como toda a gente tem na Internet.

Mas na verdade não têm, porque estão a escolher entre pertencer ser russo segundo os padrões do Estado ou não pertencer.

E não pertencer é considerado algo muito sujo, muito perigoso e profundamente imoral, às vezes até criminoso.

Quais são então as principais características desta Geração Z?
Superficialmente, os jovens russos patriotas que seguem os ditames do Estado podem parecer-se com qualquer outro jovem. São consumistas, estão conectados aos seus smartphones e vivem vidas online. Utilizam redes sociais, em particular o TikTok, onde fazem o mesmo tipo de vídeos do TikTok que os jovens ocidentais. Este é um mundo movido por memes.

E, no entanto, descobrimos cada vez mais que há grupos de jovens que realmente acreditam nas narrativas de identidade do Estado. Que partilham vídeos deles próprios com uniforme do Exército da Juventude, a dançar, a fazer playback, a fazer diários em vídeo sobre por que a Rússia é um grande país, por que a Ucrânia é perigosa ou como aprenderam na escola ou depois da escola a desmontar uma AK-47.

Esteticamente, tudo parece muito semelhante, mas há uma perigosa mensagem nacionalista que está latente e pronta a emergir.

Tem havido muitas críticas online sobre como os russos são, de alguma forma, bélicos por natureza. Isso não é verdade. Este amor pela militarização e pela que vemos hoje em certos setores da geração mais jovem são o produto de uma construção cultural deliberada por parte do Estado, da sociedade e, em particular, dos pais. Isso significa que pode ser desconstruído, tal como foi construído.

Não é tarde demais. De certa forma, o grande erro de Putin na guerra – para além do facto de a guerra ser ilegal e imoral – é que começou demasiado cedo para esta geração tenha tempo para realmente absorver tudo isto. Não estamos a falar de uma geração completamente doutrinada.

Se Putin tivesse começado a guerra cinco ou dez anos depois de continuar a construir esse sistema educacional esmagador, teríamos visto muito mais entusiasmo dos jovens de 19, 20 e 21 anos em ir para a frente.

Mas algo fez Putin puxar o gatilho no ano passado.

E isso foi um erro, porque penso que se a guerra continuar por mais alguns anos, poderá haver mais descontentamento, mais frustração, especialmente se houver mais mobilizações em massa.

há uma completa falha na compreensão de que o governo de Vladimir Putin é um regime ideológico.

Consistentemente, tem havido tentativas de interpretar o comportamento do governo russo de forma lógica e racional, utilizando grandes teorias das relações internacionais, como o realismo que procura compreender o cálculo estratégico e económico da Ucrânia invadida.

Não é por isso que eles são movidos. Há uma sensação genuína no Kremlin de que a Rússia é movida por um apego à ideia de guerra, à ideia de que a guerra é o caminho russo e que o sacrifício de si mesmo e o sacrifício da nação são uma parte vital para, de alguma forma, tornar a nação grande novamente.

Isso vem da Segunda Guerra Mundial. É uma narrativa histórica antiga.

A religião oficial russa não é o Cristianismo Ortodoxo, é a religião da Segunda Guerra Mundial.

A ideia de que 25 milhões de russos morreram para os salvar e que têm que morrer de novo [para alcançar um futuro de glória.

E essa não é uma narrativa que se possa desafiar com factos, com um olhar para a economia e cálculos racionais. Tem de ser abordado a um nível cultural e psicológico.

A maneira mais fácil de mudar isso seria através de reformas democráticas profundas. Seria através de um verdadeiro processo de desestalinização, dessovietização, de reconciliação com o passado e de compreensão de que coisas como a conduta da Rússia na Segunda Guerra Mundial não foram santas.

Isso não vai acontecer.

Não tão cedo. Não há desejo disso na Rússia. Não se fala nisso nem mesmo por parte dos liberais russos.

Está tão distante daquilo que o público russo aceitaria que simplesmente não consigo imaginar que isso aconteça.

E, por isso, temos de procurar outras formas de nos defendermos, de defendermos os ucranianos e de trabalharmos em nome das minorias russas e de quem está completamente marginalizado na sociedade russa, para garantir que todas essas comunidades estão seguras.

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Por: Cláudia Monarca Almeida /Jornalista

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